segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Cometa Halley¹

“Take me, love me
Make me your animal
Show me stroke me
Let me be your animal



Voltei tropeçando e pensando sobre a vida. Não, não era culpa da minha embriaguez, muito menos dos meus amigos que se importavam tanto comigo e acabaram percebendo o que não deveriam ter percebido. Era sua culpa mesmo, e eu mesma sabia que afinal, você não tinha culpa nenhuma. Eu era boa demais, concordava demais, me esforçava demais e de vez enquanto, batia aquele pensamento “mas o que é mesmo que eu estou fazendo da minha vida? Porque é mesmo que eu estou me encantando por uma pessoa dessas?”. Uma pessoa dessas, dessas que não dava pra negar que era encantadora, incrível. Botei a culpa em todas as partes do teu corpo, na água, na chuva, no tempo. Em mim, neles. Menos em você.
Eu te protegia do mundo. Um extinto capricorniano que ninguém poderia entender. Cerveja boa no copo, comida boa na mesa, e muita gente sem me dizer o que fazer. Eles abaixavam a cabeça como se soubessem de toda a minha história. Eu parecia estar vivendo tudo outra vez...
Meu melhor amigo bebendo comigo, muitas Stellas na mesa. Nossa banda no fone de ouvido, e no meu coração, minha cabeça, nas batidas e nos murros que eu dava naquela mesa, só você. Você, seus problemas, meu emprego, nosso dinheiro e uma porção de coisas que não estavam tão disponíveis assim. Arrastei por seis garrafas o sentimento do mundo inteiro, percebi que a vida não era tão simples, e nem mesmo, repetitiva. Precisei do meu dicionário de sinônimos pra definir aquilo tudo, eu tinha um só adjetivo e o seu nome na boca. Pronto, pra gritar a qualquer momento, de vontade, de raiva, e de outras tantas coisas a mais. E nem consegui. Estava pronta e a minha voz não saia. “Mas o que é mesmo que eu estou fazendo da minha vida? Porque é mesmo que eu estou me encantando por uma pessoa dessas?” Você não era disponível. A minha boca já estava dormente, não importa o quanto eu mordesse. A culpa não era das pessoas, da astrologia, da universidade. Era só minha. Eu estava certa de que empurraria o tanto que eu conseguisse tudo isso pra dentro de mim mesma, enterraria de certa forma, que ninguém que pudesse ler meus negros olhos castanhos conseguiria desvendar o que eu estava sentindo. Estava tudo bem...
Bem, como a Lua, como o sol, como o mar. Sempre ali, sempre bem, sempre disponível, sempre ao alcance dos seus braços pra quando você quisesse. Tal como eu, meu tempo, meus afazeres minha rotina. E nem era a sua culpa. Eu não poderia dizer que era. Você nem ao menos me cobrava isso. Sim, incoerente, inocente, adolescente, criança, imatura, qualquer mais adjetivo que você conseguir achar e que não esteja no meu dicionário de sinônimos. Eu boto aqui, por você, mentalmente. E por um agradecimento por tanta paciência. De estar, de continuar, de sentir. E ainda isso tudo acontecendo, tudo isso na minha cabeça, não me faziam menos sua, mais minha, pior, menos prazeroso. Eu estava à deriva dos seus mistérios e mergulhada no seu prazer.


Bruna Ferrari


¹“O cometa Halley é um cometa brilhante de período intermediário que retorna às regiões interiores do Sistema Solar a cada 75-76 anos, aproximadamente.(WIKIPEDIA)

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