quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Ce n'est pas un texte


“On laisse passer l'amour
On est un peu perdu
On est un peu Tordu
On fait sans blanc d'y croire
Comme si on pouvais savoir

Et on s'invente une vie
Et celle-là on y croie
Les belles histoires d'amour
Les beaux rêves d'un soir
Qui nous aide a vivre
A s'endormir moins tard
La conscience tranquille
Et plein d'espoirs


O dialogo era esse. Eu colocando as mãos nos bolsos, você por aí e um abismo no meio da gente. Meu melhor amigo me mandando mensagens no celular, me avisando sobre coisas que eram importantes. Eu ignorando. Colocando as mãos nos bolsos, procurando um espaço que eu pudesse manter meus olhos fixos e não olhar pra você. Foi difícil, mas eu consegui, achei o chão, uma sujeira pela calça, folhas. E meus olhos, como se tivesse vontade própria, voltavam a olhar pra você.
Você estava de olhos fechados, era uma zona segura. E eu? Ah, sim, eu também estava por lá. Rabiscando as folhas do caderno, quando eu conseguia tirar as minhas mãos do bolso. Olhei pro céu umas três vezes, e voltava a olhar pra você em todas as ocasiões. Eu poderia levantar devagar, pensei. Poderia fazer isso, ou me jogar dessa pequena varanda. Cogitei na minha cabeça todas as opções que incluíam, eu e aquele pequeno espaço entre nós. Sim, é daquele abismo particular que eu estou falando. Exato, daquele que é feito com areia movediça no interior. Tão profundo. Aquele abismo que estava se formando no fundo do meu peito.
Eu deveria beber mais vodca. Eu deveria cantar mais músicas, eu deveria parar de desenhar, de escrever, de querer fazer uma tatuagem, de querer sair correndo pra qualquer lugar e me esconder. Nem sei por que essa vontade imensa de me esconder estava tomando conta de mim. Quando eu percebi, já estava desse jeito. Com vários buracos a serem preenchidos, varias lacunas sobre o que eu ainda não tinha dito. Busquei até no meu dicionário de sinônimos alguma outra palavra que eu pudesse usar pra abismo. E achei: confusão, desordem, caos. Essas outras definições eram mais perfeitas do que abismo, mas abismo era uma palavra só, era exata de um jeito que eu nunca conseguiria ser.
Só que eu sou dessas pessoas que gosta de fazer o trabalho bem feito, gosta de ser competente, se importa, quer melhorar. Eu estou me esforçando pra diminuir isso, e não só, pra esconder tudo de baixo da blusa e não te causar problemas. Mas a todo o momento eu me pegava no colo de outras pessoas, pensando, escrevendo. Dessa vez eu tinha sido incompetente, todo o meu esforço foi pro chão depois que eu tive um pequeno-grande-imenso deslize. Era tanto tempo gasto em preparação pra nada. E agora, eu ficava por aqui. Minha mãe me fazia aquele questionário no caminho de volta, mas o sono me dominava, não era interessante. Cansei desse papo de você precisa ser mais família, você é o meu orgulho e nunca tinha nada no meio – não tinha nenhuma ação, que de fato, me fizesse acreditar nesse discurso que eu ouço há anos. Pelo menos entre mim e você havia o abismo, outros bocados de sentimentos e cerveja. Tinha bastante coisa até.

[inacabado por conta do tempo disponível, e dos interesses do momento].



Bruna Ferrari

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Naive


“Do you want to go to the seaside?

I'm not trying to say that everybody wants to go
I fell in love at the seaside
I handled my charm with time and slight of hand





Então eu voltei pra casa, como se fosse uma noite qualquer. Deitei na minha cama, como de costume, apaguei as luzes, mas não peguei no sono. A cama parecia errada, tinha algo faltando. Logo duvidei que fosse o barulho, ou o coxão. Arrisquei no coxão, e revirei, virei, revirei outra vez. Testei todos os seus lados. Não era o coxão. Arrisquei o barulho, peguei alguns papeis de presentes que estavam sobrando pelo meu quarto e enfiei de baixo do coxão. Minha mãe sempre disse que isso dava sorte, chamava mais presente, fiz figas pra ajudar a dormir também.
Não adiantou, levantei da cama. Procurei pelos cantos qualquer pedaço de coisa que eu pudesse por culpa pela minha insônia. O vilão ao pé da cama, a luminária que não funcionava, a parede que não era da minha cor preferida, todo aquele quarto que não tinha a minha cara, mas era meu. Cambaleei no escuro. Aquele peso no coração, nada na mão e a insônia me perseguindo, tomando conta de mim, sussurrando no meu ouvido. O seu nome, o seu cheiro, o seu jeito, o seu corpo. Tudo teu que eu não consegui deixar naquele lugar, naquela rua, naquele dia. Arrastei tudo pra dentro de mim, engoli seco como se não fosse nada, como se eu não sentisse a sua falta. E voltei pra cama.
Eu tinha voltado pra cama num ato previamente falho. Eu deito sabendo que não vou dormir. E todas as noites que eu te via pareciam ser assim. A minha mala já estava cheia de saudades antes mesmo de você partir, as minhas roupas pareciam ter sempre o seu perfume, e o meu corpo até parecia modelado pra você. Estava tudo com você, e eu preenchida de insônia pelos quatro cantos do meu quarto. Assim, como se fosse simples, inundada. Eu boto a culpa na falta de sono do porque eu penso tanto em você, mas você e eu sabemos que não é desse jeito que as coisas acontecem. Você estava comigo há menos de uma hora, e agora fica um vazio imenso e incontrolável. E agora eu fico pensando: “talvez você pense em mim também”. Fico calada pra não chorar na sua frente e te dizer que eu vivo o presente, e que por hora, apesar dessa insônia, você foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido.
Eu não conto quantas coisas que não gosto no meu quarto quando eu volto do choque de animo que você me dá. Quero perder a vergonha e dignidade – o que eu perdi, ainda não me é o suficiente. Metade do mundo pode dizer “menina, você é jovem demais, existe muita coisa ai por vir”. Exato, é assim, forte e impuro e jovem e precipitado. Exatamente como eu gosto que seja e escondo isso dentro de mim. Não, eu diria. As coisas que estão por vir nem aqui estão, deixe-me pensar no que eu tenho, por hora porque é isso que me faz viver. E aqui, na insônia, no escuro do meu quarto, com a luminária quebrada, o violão no pé da cama, e a parede que não é pintada da minha cor preferida, eu digo que só falta você pela noite inteira. Falta você, e todas as coisas de mim que você levou embora no metrô.




Bruna Ferrari

domingo, 19 de outubro de 2014

Overdose

”Well I'm here to tell you now each and every mother's son
That you better learn it fast, you better learn it young'Cause someday never comes”




Deveria ter começado esse texto com “Era uma vez”, assim no final, ia parecer um conto de fadas. Pais poderiam ler pros seus filhos. Poderia ter um final feliz, ou talvez eu chamasse ainda mais atenção porque a minha história não teria um final feliz. Tudo bem, eu já comecei a escrever do jeito errado, vamos terminar do jeito errado também.
Eu já sabia que algumas coisas poderiam não fazer sentido, que em algum lugar de mim mesma tudo o que eu fazia era um esforço enorme pra não gostar tanto de você. E nessas, eu fazia o que eu não podia, eu largava a mão de muita gente. Dois espaços, um canto, qualquer coisa que preenchesse por completo essa vontade e essa raiva também. Sim, raiva, daquelas que a gente se odeia por gostar, se odeia por querer, se odeia por se esforçar por completo por dois minutos, dois abraços, um domingo, uma tarde, o quer que seja. Isso no fundo é muito bom, dá tempo, dá gosto, dá mais vontade. Tanta vontade que não pode ter.
Era assim, e nem tinha “era uma vez” na nossa história. Continua não tendo, e também continuo sem entender a sua paciência, a sua serenidade ou o jeito que você me escondia as coisas. Seu olhar parecia misterioso. As mãos, a disposição do rosto, o jeito de andar, tudo estava misterioso como se não nos conhecêssemos. E olha, você sabia dos meus segredos todos, mas eu tinha que te desvendar. Pra você, eu não tenho aquela cara de psicóloga que todo mundo pensa que eu tenho, meu sexto sentido não funciona com você. Ele falha, e isso só me deixa com mais raiva. Eu sinto vontade de te morder, arrancar um pedaço, levar pra casa, colocar num potinho pra eu poder fingir que você continuaria aqui quando eu acordasse.
Penso que eu deveria sumir da sua vida e da vida de todos a minha volta, eu não sei se eu adiciono tanta coisa assim como você fala. Eu sei que eu quero que você goste de mim demais também, mas não tem jeito. Você sabe. Você sabe de todas as coisas que me fazem ser quem eu sou, e eu fico apalpando algo pra me segurar e não me entregar, tão mais profundamente do que eu tinha feito da ultima vez.

Eu fico me metendo no meio de tanta gente, e olha ai o que acontece: eu levo pra casa todos os dramas, porque eu faço todas as simples situações serem coisas que podem acontecer com você. Coisas que poderiam ser suas. Eu entendo. É meu erro, é minha culpa, por hora, eu estou esta merda. Esse era o motivo pelo qual eu gostaria do “era uma vez” no começo, acho que ia dar um ar encantador. No mínimo, iria ser poético. Nada mais.



Bruna Ferrari

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Caneta Nanquim

“O que você é enfim?
Onde você tem paixão?
Segue por aí
Eu não sou ninguém demais
E você também não é
É só rodopiar
Em busca do que é belo e vulgar


Hoje o dia era isso. Eu tinha gasto alguns centavos tentando me fazer feliz e alguma coisa estava sobrando no meio desse espaço. Acompanhei o resto do quadrinho andando pela cidade, até tinha tropeçado umas duas outras vezes de tão incessavelmente interessante que estava. Prestei atenção em todos os detalhes, como se cada quadro soubesse mais sobre mim, e como se saber o tipo de enquadramento me ajudasse em alguma coisa. Provavelmente, eu estava sentindo inveja, porque todo mundo tinha o seu próprio jeito de desenhar, menos eu. Eu desenhava mangá, e um mangá bem dos ruins, daqueles que se parecem com um muitos outros.
Voltando pra casa eu percebi que errei nos seus olhos, na disposição do rosto, na posição daquele desenho que eu fiz de você e que agora era seu. Não dava pra consertar. Era um saco pensar que tudo estava de caneta nanquim e que mesmo que eu tentasse corrigir, o trabalho seria atrapalhado. Eu corria o risco de perder o desenho inteiro, esses pequenos rabiscos tinham um grande significado pra mim.
Decidi que faria da minha vida com você algo parecido com caneta nanquim no papel, que quando a gente erra é bem difícil de concertar o erro – quase impossível. É difícil de fazer de novo, de fazer ser bonito como era antes, de ter o mesmo encanto. É preciso jogar a folha toda fora, e recomeçar o trabalho delicadamente, tomando cuidando pra não esbarrar a mão na parte da tinta que ainda não tinha secado e borrar tudo. Minha vida com você seria isso. Seria como um desenho feito direto a caneta nanquim, e eu me cobraria pra não manchar as partes que estavam boas, e bem desenhadas, do jeito que queríamos.
Só que no meio daqueles livros, daquela gente, e do seu sorriso, era complicado demais disfarçar as vezes que eu tentava ficar mais perto de você. Você virava, e eu logo desviava o olhar pra você não perceber que eu estava morrendo de vontade. Os meus mangás preferidos atrás de mim, mais a esquerda, você a direita, uma porção de textos atrasados, sem nexo, na minha frente. Mesmo assim, toda a vez que eu fechava os olhos mentalmente, eu não conseguia ver muita coisa. Éramos só eu e você, e todas as outras coisas que nós gostávamos, que tínhamos desenhado nessa folha em branco – com caneta nanquim – e já estava seco. Pode ser que, pra mim, fosse mais difícil de compreender qual o motivo pelo qual eu me encantava tanto com você mesmo depois de tanto tempo. E tinha passado muito tempo depois daquela vez que a gente nem sabia como dar as mãos direito, onde colocar o resto do corpo...
Sim, desse jeito tudo era mais difícil, e ainda parecia difícil não sentir ciúmes dos seus olhos em qualquer outro lugar que se não olhando pra mim. Você mal sabia que eu conhecia todo o seu corpo nos meus sonhos, e que de noite, você me dava boa noite antes de dormir. Eu procurava esquecer os obstáculos que tínhamos pela frente, como se daqui há alguns quadros o nosso livro fosse chegar ao fim, mas sempre houvesse uma continuidade. Eu também tinha feito propaganda sua para os meus melhores amigos. Eles te olhavam com desconfiança, eu ria. Eles mal sabiam o que se escondia por de trás dos seus olhos, dos seus cabelos, das suas mãos, do seu corpo, das suas pernas. Ainda estou me perdendo nisso tudo, mas percebo que consigo me encontrar mais facilmente do que muita gente por ai. Isso me faz bem.
Isso me faz tão bem quanto pensar em você no meio da noite, e aí, você sabia o que acontecia comigo como dizia o que eu pensava sem eu ter que dizer nada. Depois disso, eu chorava, eu me culpava. Mas quando você voltava, eu nem me lembrava das vezes que eu chorei tanto por alguém que havia me trocado, me magoado, mentido pra mim. Eu só queria estar com você, e eu estava. Inteiramente. Inteiramente mergulhada na sua energia que passava pro meu corpo, os nossos chakras se alinhavam de um jeito que eu não saberia como expor em palavras – tudo poderia não ser tão sensacional pra você quanto era mim, e essa era a primeira que eu não me importava em assustar alguém com o precipício que eu formava na minha alma. É isso. Eu tinha aprendido a não gostar de gente que ficava em cima do muro depois desse ultimo tombo. Ou vem, e me pega. Ou vai embora, e me larga.
Você tinha decido ficar e fazer diferente. Ou talvez fosse o quadrinho e meu mangá preferido que tivessem mexido com a minha cabeça e eu nem tinha percebido. Sim, com muitos “E”s, porque você estava sendo mais adicional que uma oração aditiva na minha vida. Mais adicional, mais encantadora que todas aquelas aulas que eu passava o dia assistindo, ou que eu mesma dava...
Você decidiu ficar e fazer diferente. E eu nem aceitava mais você colocar a culpa nos seus anos, eu não me importo quantas primaveras você tenha a mais que eu. Porque quando você me abraçava, eu sentia que de alguma forma, você voltava criança. E eu também voltava a ser uma criança indefesa e inofensiva, apenas esperando o seu toque. Meu corpo estremecia, a minha cabeça dava voltas – não era culpa do álcool – e seu cheiro se espalhava pelo ambiente me fazendo querer mais mais mais mais mais mais. Me fazendo querer te colocar em cima daquela mesa de bar, arranhar suas costas, te deixar marcas onde você pudesse se lembrar de mim pra ter certeza que você se lembraria muitas vezes ao dia e não só quando estivesse trabalhando, afinal, eu tinha te confessado que meu mangá preferido estava lá. Depois disso, eu duvido muito que você olhe praquela estante da mesma forma.



Bruna Ferrari