terça-feira, 20 de outubro de 2015

Pés

"Eu não sirvo pra escrever, apenas pra desenhar e olhe lá...!"






Eu fui tentar pular as cercas que me limitavam, dei um passo maior que a perna, num desespero. Eu precisava fazer alguma coisa além de ficar aqui parada chorando e surtando e fazendo meu nariz travar a toa. Já tinha diminuído a frequência de viagens, mas passava mais tempo por perto... Chegava até ser engraçado. Irreal.
Acontece que a vida não melhora numa semana, e apesar de teimosa, eu sou daquelas que demora meses pra superar alguma coisa. Eu tento, é sério. E eu tentei outra vez, pela quase terceira, me livrar daquelas amarras que me prendiam. Queria aquela sensação de liberdade e posse outra vez. Posse de si mesma, e parte do brinquedo de gente querida demais. Gente que já tomou espaço no coração e agora tá se expandindo pros outros membros. Pés, cabeça, pernas... E sabe-se lá mais onde.
Deitei determinada, ainda que soubesse o final dessa história. Infelizmente, eu estava certa e surtei de novo. É claro que as coisas melhoraram depois que eu me lembrei de você naquela noite, me abraçando forte e dizendo que as coisas iam ficar bem. Você, também, que me dava tantos presentes e fazia o que podia dentro do limite que eu te dava pra demostrar seu carinho. Imenso. Era mais segurança, sabe? Mais incentivo pra ser feliz. E legal mesmo é quando a segurança tem nome, casa, jeito, endereço... 
Respirei um pouco mais fundo, pela boca mesmo. Usei de todas as estrategias que eu conseguia pensar pra fazer minha cabeça voltar. Vomitei de novo. O que eu queria mesmo era vomitar todas as travas pra fora de mim e acabar de uma vez com essa ambiguidade aqui dentro. 
Eu fechava os meus olhos e lembrava do teto, da manhã que eu acordei, do almoço, do cheiro, da louça, da companhia. De todos os outros dias. Acho que isso me deixou um pouco mais calma, me fez surtar um pouco menos, então obrigada. 
Tive até coragem de voltar pra cama, porque até ela tinha uma nova vida. Trocou os lençóis, o travesseiro tinha outro cheiro, a pelúcia, outro significado. Passei um bom tempo olhando para os meus pés e pensando que poderiam ser seis, ou oito até! Mais pés pra eu poder caminhar mais rápido e dar passos mais largos do que eu conseguia com os meus. 
Eram seis, talvez, não do jeito que eu queria naquela hora, mas do jeito que podia ser. Dois pés e quatro patas. As patas eram da Gugu.